segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Fernando Pessoa- ortonimo

Share

& Comment



1. Contextualização (O Modernismo e os –ismos da Vanguarda)

Modernismo – movimento estilístico em que a literatura surge associada às artes plásticas e por elas influenciada, desencadeado pela geração de Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros (Orpheu). Caracteriza-se por uma nova visão da vida, que se traduz, na literatura, por uma diferente concepção da linguagem e por uma diferente abordagem dos problemas que a humanidade se vê obrigada a enfrentar, num mundo em crise.

Decadentismo corrente literária que exprime o cansaço, o tédio, a busca de sensações novas. Apresenta estreitas relações com o Simbolismo.

Paulismo “palis” é a primeira palavra de “Impressões do Crepúsculo” e a que sugere a atitude estética chamada paulismo. O significado de “paul” liga-se à água estagnada, aos pântanos, onde se misturam e confundem imensas matérias e sugestões. A estagnação remete para a agonia da água, paralisada e impedida de seguir o seu curso.

Interseccionismo – caracteriza-se pelo entrecruzamento de planos que se cortam: intersecção de percepções ou sensações.

Futurismo – corrente literária que se propõe cortar com o passado, exprimindo em arte o dinamismo da vida moderna. Aqui, o vocabulário onomatopaico pretende exaltar a modernidade.

Sensacionismo corrente literária que considera a sensação como base de toda a arte. Segundo Fernando Pessoa, são três os princípios do Sensacionismo:


  •  Todo o objecto é uma sensação nossa.

  •  Toda a arte é uma conversão duma sensação em objecto.

  •  Toda a arte é a conversão duma sensação numa outra sensação.



2. O estilo de Fernando Pessoa

- Características Temáticas


  •  Identidade perdida
  •  Consciência do absurdo da existência
  •  Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sonho/realidade
  •  Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
  •  Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção
  •  Estados negativos: solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, desespero, frustração.
  •  Inquietação metafísica, dor de viver
  •  Auto-análise


- Características Estilísticas


  •  Musicalidade: aliterações, transportes, ritmo, rimas, tom nasal (que conotam o prolongamento da dor e do sofrimento)
  •  Verso geralmente curto (2 a 7 sílabas métricas)
  •  Predomínio da quadra e da quintilha (utilização de elementos formais tradicionais)
  •  Adjectivação expressiva
  •  Linguagem simples mas muito expressiva (cheia de significados escondidos)
  •  Pontuação emotiva
  •  Comparações, metáforas originais, oxímoros (vários paradoxos – pôr lado a lado duas realidades completamente opostas)
  •  Uso de símbolos (por vezes tradicionais, como o rio, a água, o mar, a brisa, a fonte, as rosas, o azul; ou modernos, como o andaime ou o cais)
  •  É fiel à tradição poética “lusitana” e não longe, muitas vezes, da quadra popular.
  •  Utilização de vários tempos verbais, cada um com o seu significado expressivo consoante a situação.


- Figuras de Estilo

Hipérbato – consiste na separação de palavras que pertencem ao mesmo segmento por outras palavras não pertencentes a este lugar:


  • Autopsicografia – última estrofe
  • Perífrase – consiste em utilizar uma expressão composta por vários elementos em vez do emprego de um só termo:
  • Autopsicografia – “Os que lêem o que escreve”


Metáfora – consiste em igualar ou aproximar dois termos que pertencem à mesma categoria sintáctica mas cujos traços se excluem mutuamente.


  • Autopsicografia – “Gira, a entreter a razão/Esse comboio de corda”
  • Ela canta, pobre ceifeira – “E há curvas no enredo suave”


Aliteração – repetição do(s) fonema(s) inicial(ais) consonântico(s) de várias palavras dispostas de modo consecutivo.

  •  Isto – “Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração”
  •  Ela canta pobre ceifeira – “limpo” e “limiar”


Antítese – ou contraste, consiste na oposição de duas palavras, expressões ou ideias antagónicas, no intuito de reforçar a mensagem.


  • Isto – antítese: sentimento (coração) – pensamento (razão)
  • Ela canta pobre ceifeira – “pobre ceifeira/julgando-se feliz”


Adjectivação – utilização de quantificadores para atribuir qualidades a substantivos.


  • Ela canta pobre ceifeira – “pobre”; “feliz”; “anónima”; “alegre”


Comparação – consiste na aproximação entre dois termos ou expressões, através do elemento linguístico comparativo, proporcionando o destaque do primeiro elemento ou termo.


  • Ela canta pobre ceifeira – entre o canto da ceifeira e o canto de ave


. Apóstrofe – ou invocação consiste na nomeação apelativa de chamar ou invocar pessoas ausentes, coisas ou ideias.

. Ela canta pobre ceifeira – “Ó Céu! Ó campo! Ó canção!...”

. Personificação – consiste em atribuir propriedades humanas a seres inanimados ou irracionais.

. Ela canta pobre ceifeira – “…tornai/Minha alma vossa sombra leve!”

. Pleonasmo – consiste na manifestação da redundância. Esta existe quando as manifestações tomam a forma, a nível semântico, da repetição do mesmo significado por dois significantes diferentes na mesma expressão.

. Ela canta pobre ceifeira – “Entrai por mim dentro!”

. Hipálage – consiste na transferência de uma impressão causada por um ser para outro ser, ao qual logicamente não pertence, mas que se encontra relacionado com o primeiro.

. O menino de sua mãe – “No plaino abandonado”

. Gradação – consiste na apresentação de vários elementos segundo uma ordenação, que pode ser ascendente ou descendente.

. O menino de sua mãe – “Jaz morto, e arrefece/Jaz morto, e apodrece”

. Sinestesia – consiste na mistura de dados sensoriais que pertencem a sentidos diferentes. Deste facto pode resultar uma expressividade muito original e inesperada.

. Ela canta pobre ceifeira – “A tua incerta voz ondeando”

. Oxímoro – consiste em relacionar dois termos metafóricos perfeitamente antonímicos.

. Tudo que faço ou medito – “Não o sei e sei-o bem”

. Quiasmo – repetição simétrica do mesmo tipo de construção simples.

- Estrutura interna e externa

A estrutura interna refere-se à mensagem, a temática e ao tema da composição poética.

A estrutura externa refere-se à composição (número de estrofes e de versos), métrica (número de sílabas métricas) e rima (esquema rimático).

. Neste poema, a estrutura externa pode ser explicada da seguinte forma: estamos perante um poema de versificação tradicional (feita através de quadras) regular. É composto por três quadras, rimadas com rima cruzada cujo esquema rimático éabab e em versos de redondilha maior (7 sílabas métricas).

3. As temáticas e as composições poéticas de Fernando Pessoa

3.1. O fingimento artístico

Autopsicografia (Intelectualização do sentir)

- A julgar pelo título, estamos perante uma descrição da própria alma, apresentada em três estrofes, constituindo cada uma delas uma parte do poema:

1. Na primeira estrofe temos já, em síntese, o pensamento implícito no conjunto do poema. Sendo “um fingidor”, o poeta não finge a dor que não sentiu. Finge aquela de que teve experiência directa. Assim se afasta qualquer possibilidade de se interpretar o conceito de “fingimento” na poesia de F. Pessoa como completa simulação de uma dor ou de uma experiência emocional que não se teve. O reconhecimento dessa dor ou experiência emocional como ponto de partida da criação poética está bem expresso nesta primeira quadra. Todavia, a dor que o poeta realmente sente não é aquela que deve surgir na sua poesia. Pessoa não considerava a poesia a passagem imediata da experiência à arte, opunha-se a toda a espontaneidade. Por isso, exigia a criação de uma dor fingida sobre a dor experimental.

O poeta, desde que se propõe escrever sobre uma dor sentida, deve procurar representar, materializando-a, essa dor, não nas linhas espontâneas em que ela se lhe desenhou na sensibilidade, mas no contorno imaginado que lhe dá, voltando-se para si mesmo e vendo-se a si próprio como tendo tido certa dor (inteligibilização do sensível). Todavia, a metamorfose a que submete a sua dor, fingindo-a, representando-a, apenas altera o plano onde essa dor decorre. A dor real, ou seja, a dor dos sentidos, primeiro, é a dor imaginária (dor em imagens), depois. O poeta materializa as suas emoções em imagens susceptíveis de provocar no leitor (e o poeta é o seu primeiro leitor) o regresso à emoção inicial.

Sobre o modelo da sua dor inicial, ou melhor, originária, o poeta finge a dor em imagens e fá-lo tão perfeitamente que o fingimento se lhe apresenta mais real do que a dor fingida. Assim, a dor fingida transforma-se em nova dor (imaginária), cuja potencialidade de comunicação absorve todas as virtualidades da dor inicial. Tratando-se duma transformação do plano vivido em plano imaginado, ela prepara a fruição impessoal das dores que a poesia pode proporcionar ao leitor.

2. Na segunda estrofe, os leitores de um poema não terão acesso a qualquer das dores – a dor real ou a dor imaginária: a dor real ficou com o poeta; a dor imaginária não é já sentida pelo leitor como dor, porque o não é (a dor é do mundo dos sentidos e a poesia – dor imaginária ou representada – é da esfera do espírito). Assim se compreende o último verso desta estrofe (“Mas só a que eles não têm”): os leitores só têm acesso à representação de uma dor intelectualizada, que não lhes pertence.

3. Na terceira estrofe, se a poesia é uma representação mental, o coração (“esse comboio de corda”), centro dos sentimentos, não passa de um entretenimento da razão, girando, mecanicamente, “nas calhas” (símbolos de fixidez e impossibilidade de mudança de rumo) do mundo das convenções em que decorre a vida quotidiana. Sempre a dialética do ser e do parecer, da consciência (razão) e da inconsciência (coração = comboio de corda), a teoria do fingimento.

- A tripartição que apresentamos é denunciada pela conjunção “e” que inicia as 2ª e 3ª estrofes. No entanto, consoante o assunto, a composição poderia ser dividida em duas partes: a primeira constituída pelas duas primeiras estrofes onde o sujeito poético explica a sua teoria da intelectualização do sentir e a segunda constituída pela última estrofe onde ele conclui, através de uma metáfora, a veracidade dessa teoria.

- O carácter verdadeiramente doutrinário deste poema faz com que predominem as formas verbais no presente (sendo o pretérito perfeito “teve”, no terceiro verso da segunda estrofe, a única excepção), tempo que conota uma ideia de permanência e que aqui aparece utilizado para sugerir a afirmação de algo que assume foros de verdade axiomática (“O poeta é um fingidor”) em que o facto de se utilizar a 3ª pessoa do singular do presente do Indicativo do verbo ser vem reforçar o atrás afirmado e impor, desde logo, a tese do poema.

A outra categoria morfológica com peso neste poema é o substantivo (poeta, fingidor, calhas, roda, razão, comboio, corda, coração), duas vezes substituído por pronomes demonstrativos (“os” no primeiro verso da 2ª quadra e “a” no último verso da mesma estrofe).

Há três advérbios de significado semelhante que é necessário referir, pela importância que assumem na caracterização das três “dores” abordadas no poema:


. “finge (…) completamente” (o poeta)

. “… deveras sente” (o poeta)

. “…sentem bem” (os leitores)

- De notar ainda o seguinte:


. Na primeira quadra, há três palavras da família do verbo fingir (a tese) – fingidor, finge e fingir – e repete-se a palavra dor nos 3º e 4º versos.

. Na segunda quadra, surgem-nos as formas verbais lêem, escreve,sentem, teve (= sentiu) e não têm (= não sentem), que conglobam os três tipos de dor de que atrás falamos: a dor verdadeira que o poeta teve; a dor que ele escreve e aquelas que os leitores lêem enão têm.

. Na terceira estrofe, realçamos as formas verbais “gira” e “entreter”, porque sugerem a feição lúdica da poesia, cabendo à razão um papel determinante na produção poética. Enquanto ao coração cabe girar em calhas e entreter, fornecer emoções, à razão fica reservado o papel mais importante de toda a elaboração que foi apresentada nas duas primeiras quadras.

- Ao nível sintáctico, verificadas as características de autêntico texto teórico que o poema reveste, o tipo de frase teria de ser o declarativo. Predomina a hipotaxe, com relevo para a subordinação, embora já atrás tenhamos reconhecido a importância da coordenativa “e”.

- A nível fónico, este é um poema semelhante a muitos outros de Pessoa ortónimo, de versos curtos (sete sílabas), se bem que haja, por vezes recurso ao transporte. Os versos agrupam-se em quadras e apresentam algumas irregularidades rimáticas e métricas, que não são de estranhar em F. Pessoa.

- No aspecto semântico, verifica-se a utilização de uma linguagem seleccionada e simples, o que não quer dizer que a sua compreensão seja fácil. Tal fica a dever-se a vários factores:

. Aproveitamento de todas as capacidades expressivas das palavras e a repetição intencional de algumas (dor, cognatas de fingir e ter, com o significado de sentir, verbo que também é usado duas vezes).

. Utilização de símbolos: “comboio de corda” (brinquedo que vem sugerir o aspecto lúdico da poesia > o comboio (coração) fornece à razão o ponto de partida para a criação (fingimento)); “calhas” (implicam a dependência do sentir em relação ao pensar (razão)).

. O uso de metáforas, com saliência para a que é constituída pelo primeiro verso do poema e para o conjunto que constitui a imagem final: o coração apresentado como um comboio de corda que gira nas calhas de roda a entreter a razão.

. A perífrase do 1º verso da 2ª quadra (“Os que lêem o que escreve”, em vez de “os leitores”).

. O recurso ao hipérbato, na última quadra, pela colocação das palavras fora do lugar que pelas regras normais da sintaxe, deveriam ocupar.

Isto

- O texto é constituído por três quintilhas de hexassílabos. Há várias vezes o recurso à aliteração:

. Em “s”: “Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração”

. Em “f”: “O que me falha ou finda”

. Em “l”: “Livre do meu enleio”

- O poeta utiliza muitas vezes o transporte.

- Outro aspecto fónico que é importante realçar é o facto de, na primeira quintilha, o poeta recorrer a sons fechados e, sobretudo, à nasalação, havendo rimas em “in” e em “ão”, enquanto, na segunda, há já uma alternância entre “a” e “in”, para, na terceira, praticamente, desaparecerem os sons nasais e as rimas serem em “é/ê” e em “ei”. Semanticamente, isto poderia corresponder à passagem de uma situação de arrastamento, ou tensão, para um estádio de clarividência ou convicção.

- Como em “Autopsicografia”, estamos perante um texto em que se explana uma teoria poética: o fingimento. Mais uma vez se expõe a aparente antítese: sentimento (coração) – pensamento (razão) e ganha contornos nítidos a dialéctica incompleta de F. Pessoa. Com efeito, a antítese só seria dialecticamente válida, se conduzisse a uma síntese, a uma conclusão, a uma “coisa linda” conseguida e não apenas pressentida, abstracta, com fundamentos evidentes na concepção platónica dos arquétipos e da divisão dos mundos em sensível e inteligível.

- E quem pode contemplar essa coisa encoberta pelo “terraço” de sonho, da dor, da frustração? Só o poeta, porque é capaz de se libertar do enleio do mundo e escrever “em meio do que não está ao pé”, isto é, usando a imaginação/razão, em busca do que é e apenas seguro “do que não é”.

- Estamos perante o pressentimento “do que não é” e a sugestão de que aquilo que “não é” é que, verdadeiramente, “é”. A tarefa do poeta é, portanto, essa viagem imaginária, esse pressentir do ser, da “coisa linda” e não sentir (“Sentir? Sinta quem lê!”), o que não deixa de indiciar uma concepção de certo modo elitista do poeta.

- Em face do que fica dito, fácil é concluir que, como em “Autopsicografia”, se podem considerar três momentos, neste texto, coincidindo cada um deles com uma estrofe, havendo apenas uma aparente divergência, que, adiante, salientaremos:

. Primeira estrofe – o poeta apresenta a sua tese: não usa o coração, sente com a imaginação e não mente. É sobejamente conhecida a máxima de Álvaro de Campos: “Fingir é conhecer-se”.

. Segunda estrofe – desenvolvimento e fundamentação filosófica (de cariz platónico) da necessidade de usar a imaginação: o poeta pretende ultrapassar o que lhe “falha ou finda” e contemplar “outra coisa”.

. Terceira estrofe – “por isso” se liberta do que “está ao pé”, que é a verdade para aqueles que dizem que finge ou mente tudo o que escreve, em busca daquilo que é verdadeiro e belo (“a coisa linda”).

- O último verso do poema constitui a divergência que atrás mencionamos. Quase inesperadamente, o poeta diz: “Sentir? Sinta quem lê!”. Poderá parecer que há uma ruptura e estaremos perante uma quarta parte do poema. Não concordamos com tal hipótese. A nosso ver, trata-se de um fechamento de um círculo, de um voltar ao princípio: só quem sente (quem lê e não escreve) é que pode dizer que o poeta finge ou mente tudo o que escreve.

- No aspecto morfo-sintáctico, é este poema muito semelhante ao anterior, com excepção do último verso, em que há uma frase do tipo interrogativo e outra de sentido exclamativo. Estes dois tipos de frase, no final do poema, à guisa de remate ou devolução irónica de um remoque, vêm imprimir-lhe uma certa dinâmica e desencadear um processo de reflexão idêntico ao resultante da última estrofe de “Autopsicografia”.

- Ao nível semântico, deve mencionar-se, em primeiro lugar, a linguagem simples, mas seleccionada, típica de Pessoa ortónimo. Não se traduz, no entanto, tal simplicidade em pobreza excessiva, uma vez que bastariam a musicalidade, o ritmo, as sonoridades bem conseguidas e situadas, para emprestar ao texto toda a força que um leitor, mesmo desprevenido, nele encontra. Mas há ainda o facto de, a cada passo, depararmos com a utilização de palavras com matizes significativos inesperados e originais, que nos colocam no limiar, ou mesmo nos domínios da metáfora:

. “Sinto com a imaginação” (o verbo sentir com significado diferente do habitual)

. “Não uso o coração” (o inesperado de o poeta não usar o coração, como se se tratasse de algo semelhante a qualquer utensílio dispensável ou substituível)

. “Tudo o que sonho… é… um terraço” (uma divisão, uma separação imaginária)

. “Essa coisa é que é linda” (o adjectivo “linda” aplicado a algo que está sob um terraço imaginário, e que, portanto, só metaforicamente existe).

. A recuperação para a poesia, de palavras tão prosaicas como “coisa” (“Sobre outra coisa ainda/Essa coisa é que é linda”), utilizada em versos consecutivos, para designar algo que está muito para além do Universo sensível a que, normalmente, se refere.

. O sentido da palavra “sério” no penúltimo verso, que nos parece um vestígio da formação anglo-saxónica do autor (tradução de “sure”, que, normalmente, significa “certo” ou “seguro”).

. A diferença de significado entre o verbo sentir usado na primeira quintilha (“Sinto/Com a imaginação”) e no último verso (“Sentir? Sinta quem lê!”), assumindo, neste caso, um conotação pejorativa, que não existe no primeiro.

- É ainda importante realçar a felicidade e a originalidade do símbolo “terraço”, como qualquer coisa que nos divide de algo que está sob os nossos pés e nunca conseguimos agarrar com as mãos.

- É também semanticamente importante o facto de o poeta dizer que escreve “… em meio/Do que não está ao pé”, imagem paradoxal, deliberadamente perturbadora e expressiva da imaterialidade dos domínios em que se movimenta. E não deixa de ter cabimento aqui uma nova referência à interrogação e exclamação finais, apoiadas numa repetição do verbo sentir, que vêm emprestar ao final do poema uma grande vivacidade expressiva.

- Deliberadamente, deixamos para o fim a principal figura de estilo deste texto – a comparação que engloba os três primeiros versos da 2ª estrofe. Esta comparação constitui o cerne do poema, aquele momento em que o autor define o universo em que se move, para, logo de seguida, ficarmos a saber o que procura.

3.2. A dor de pensar

O poeta não quer intelectualizar as emoções, quer permanecer ao nível do sensível para poder desfrutar dos momentos – porque a constante intelectualização não o permite. Sente-se como enclausurado numa cela pois sabe que não consegue deixar de raciocinar. Sente-se mal porque, assim que sente, automaticamente intelectualiza essa emoção e, através disso, tudo fica distante, confuso e negro. Ele nunca teve prazer na realidade porque para ele tudo é perda, quando ele observa a realidade parece que tudo se evaporou.

Ela canta, pobre ceifeira

- Esta composição versa uma temática fundamental da obra de Pessoa e comporta referências ideológicas próprias dos heterónimos, criados algum tempo depois.

- O poema é constituído por seis quadras, com versos octossílabos e rima cruzada, segundo o esquema rimático abab, havendo duas pequenas irregularidades: na primeira estrofe, é toante a rima de ceifeira com cheia; na quinta estrofe, é forçada a rima do eu com céu.

- Há vários exemplos de transporte e ainda aquilo a que, na poética trovadoresca, se chama “atafinda”, isto é, a continuação do sentido do último verso de uma estrofe no primeiro verso da estrofe seguinte, como acontece na passagem da primeira para a segunda e da quinta para a sexta estrofes.

- Há vários exemplos de aliteração:

. Em “l”: “No ar limpo como um limiar”

. Em “v”: “E há curvas no enredo suave”

. Em “s”: “… no enredo suave/do som…”

- A insistência nestes sons consonânticos, sugestivos de amplitude e de passagem, quando associada à predominância de nasalações, nas três últimas estrofes, com recurso ao gerúndio (“ondeando”) e à perifrástica (“está pensando”) vêm emprestar ao poema o seu tom de arrastamento, a sua profundidade.

- A uma primeira abordagem, fácil é verificarmos que o poema se divide em duas grandes partes:

. 1ª parte – constituída pelas três estrofes iniciais, em que, de um modo geral, se descreve o canto de uma ceifeira;

. 2ª parte – constituída pelas três estrofes restantes, em que se apresentam os efeitos da audição desse canto na subjectividade do poeta.

- Tal divisão é mesmo perceptível ao nível da pontuação e da frase, utilizando o autor, na primeira parte, o ponto final e a frase do tipo declarativo, enquanto, na segunda, todas as frases são exclamativas, com uma única excepção (“O que em mim sente «stá pensando»). E isto acontece porque, na primeira parte, o poeta está primordialmente interessado em descrever a exterioridade, enquanto, na segunda, se procura traduzir as emoções desencadeadas na sua interioridade por aquele canto da ceifeira, apesar da sua inconsciência.

- Na primeira parte, desde o início, existe um conflito entre uma situação exterior ao poeta e o seu mundo exterior. Com efeito, a voz da ceifeira domina toda esta primeira parte com a sua suavidade, mensagem de um universo de alegria, inocência e espontaneidade, e o poeta procura apresentá-la num ritmo ondulante, repousado ou embalador, para tanto lançando mão de aliterações e da alternância de sons vocálicos ásperos e brandos.

- Mas também desde o início, a descrição é marcada por algumas referências antitéticas que nos dão conta do comportamento contraditório da ceifeira porque, sendo “pobre” e duma “anónima viuvez”, julga-se “feliz”, a sua voz é “alegre”. E canta como se tivesse / Mais razões para cantar que a vida”.

- Portanto, a ceifeira canta “como se tivesse… razões para cantar”. Não as tem. Logo, o seu canto é inconsciente. Apesar disso, ou por isso, a sua voz é alegre, cheia de vida, encanta e prende o poeta, que, por um lado, se alegra por a ver feliz e, por outro, se entristece, porque sabe que, se aquela ceifeira fosse capaz de tomar consciência da sua situação, não encontraria motivos para cantar.

- Poderíamos subdividir a segunda parte em dois momentos:

. Um primeiro momento, em que o poeta faz um apelo e formula um desejo impossível: o apelo abrange a quarta quadra e consiste num pedido dirigido à ceifeira para que continue a cantar, mesmo “sem razão”, para que o canto derramado entre no seu coração.

. Um segundo momento, que começa com a invocação, e vai até ao fim do poema. Verificada a impossibilidade de ser inconscientemente alegre, como a ceifeira, sem perder a lucidez, porque “a ciência pesa”, o poeta pede ao céu, ao campo e à canção que entrem por ele dentro, disponham da sua alma como sombra própria e o levem.

- No aspecto morfo-sintático, é digno de notar o facto de, na primeira parte, predominar o presente do indicativo, que empresta à descrição uma grande vivacidade, enquanto, na segunda, o imperativo é o modo verbal dominante. Há, todavia, uma frase em que o presente do indicativo reaparece duas vezes, uma delas representado pela terceira pessoa do singular do verbo ser, para definir a razão da frustração e do apelo ao céu, ao campo e à canção para que o levem: “… A ciência/Pesa tanto e a vida é tão breve”.

- Ao nível semântico, e como é de inferir face à problemática que levanta, este texto é de uma grande riqueza expressiva, sendo de salientar os recursos seguintes:

. A adjectivação seleccionada e expressiva, muitas vezes antitética: limpo, suave; “incerta voz”; “alegre inconsciência”.

. A antítese que atrás referimos como figura muito importante para a definição e desenvolvimento do tema: “alegre e anónima viuvez”; “ouvi-la alegra e entristece”; “poder ser tu, sendo eu!”

. A comparação da voz (som, canto) da ceifeira com um canto de ave (primeiro verso da segunda estrofe) e do ar limpo em que essa voz ondula como um limiar (segundo verso da segunda estrofe).

. A metáfora, sendo o emprego das palavras num sentido imaginário e não objectivo, abunda no texto: “…a sua voz… ondula”; “e há curvas no enredo suave”; “… A ciência/Pesa tanto…”

. A apóstrofe, invocação de alguém ausente, e que marca uma viragem no discurso: “Ó céu! Ó campo! Ó canção!...”

. A personificação do céu, do campo e da canção, atribuindo-lhes qualidades de pessoa, possivelmente: “Entrai por mim dentro! Tornai/Minha alma vossa sombra leve!/Depois, levando-me, passai!”

. O pleonasmo, repetição duma ideia para realçar a sua amplitude, profundidade ou carácter irrefutável: “Entrai por mim dentro!”

. Finalmente, é importante referir as conotações da morte que perpassam na parte final do poema. Se o céu, o campo e a canção transformarem a alma do poeta em sombra, e, depois o levarem, entendemos que isso implica a morte, um desejo de anulação, de se evolar.á veH

Ó sino da minha aldeia

- Sino é símbolo da passagem do tempo (dolorosa); pouca expectativa em relação ao futuro; inconformismo, procura constante do eu; tempo dividido em fragmentos (o passado não existe, já passou e nele eu não fui capaz de sentir, de ser feliz na altura); solidão ansiedade, nostalgia da infância; musicalidade – aliteração.

No entardecer da terra

- 1o momento em que o poeta descreve o que vê; 2º momento em que faz a passagem para o seu interior; análise ao seu interior: frustração em relação ao passado (os sonhos não se concretizaram), incapacidade de viver de acordo com o momento – só posteriormente se apercebe que esse momento não foi verdadeiramente vivido (não se sente feliz, realizado em nenhum momento), tristeza, angústia, solidão.

3.3. A fragmentação do eu/Resignação dorida

O poeta é múltiplo: dentro dele encerram-se vários “eus” e ele não se consegue encontrar nem definir em nenhum deles, é incapaz de se reconhecer a si próprio – é um observador de si próprio. Sofre a vida sendo incapaz de a viver.

Não sei quantas almas tenho

- O poeta confessa a sua desfragmentação em múltiplos “eus”, revelando a sua dor de pensar, porque esta divisão provém do facto de ele intelectualizar as emoções; a sucessiva mudança leva-o a ser estranho de si mesmo (não reconhece aquilo que escreveu); metáfora da vida como um livro: lê a sua própria história (despersonalização, distancia-se para se ver).

Chuva Oblíqua

- Poema que costuma ser apresentado como exemplo de interseccionismo, embora nele se denuncie nitidamente o Sensacionismo, que Álvaro de Campos imortalizará nas sua odes. Trata-se de um poema em verso livre, com seis partes de tamanho, estrutura e forma muito irregular.

- Fragmentação do “eu”: o sujeito poético revela-se duplo, na busca de sensações que lhe permitem antever a felicidade ansiada, mas inacessível.

- Interseccionismo impressionista: recria vivências que se interseccionam com outras que, por sua vez, dão origem a novas combinações de realidade/idealidade.

- Primeira parte:

. Primeira estrofe – definição de séries de planos contrapostos (paisagem/porto infinito; flores/velas dos grandes navios; árvores/cais; paisagem cheia de sol/porto sombrio e pálido). Estes planos poderão resumir-se a uma oposição Terra (sol, luz)/ Água (sombra).

. Segunda estrofe – dá-se a unificação, no espírito do poeta, dos elementos que se interseccionam na primeira: “Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio/E os navios que saem do porto são árvores ao sol”.

. Terceira estrofe – tendo-se dado a unificação mencionada, o poeta fica “liberto em duplo”, mas há ainda a oposição entre elementos terrestres e aquáticos, mas agora são estes que precedem, e não aqueles como na primeira estrofe: “cais/estrada; navios/por dentro dos troncos das árvores; amarras na água/pelas folhas uma a uma dentro; horizontalidade (água)/verticalidade (árvores da terra).

. Quarta estrofe – a interpretação dos elementos intensifica-se (a paisagem das árvores e da estrada surge no fundo da água. Pode dizer-se que há uma fusão ou união de elementos. Entretanto, “a sombra duma nau mais antiga… passa para o outro lado… da alma”. A interiorização vem revelar os dois lados da alma já sugeridos na terceira estrofe (“liberto em duplo”).

. Com tudo isto, pode dizer-se que o sonho é mais forte que a realidade exterior.

. Na segunda metade do poema processa-se abertamente uma permuta entre o sonho e a realidade: o porto imaginário ganha a supremacia, usurpando o lugar à paisagem real que, por sua vez, assume a forma imaginária.

. Assiste-se, nesta primeira parte, como em todo o poema, a um movimento do eu, que se sente fragmentário, para a totalidade que nunca se atinge. O próprio intelecto é instrumento de divisão. Basta pensar para nunca mais se ser completo. A totalidade é uma aspiração que procura materializar-se em cada uma das seis partes do poema, mas que nunca se alcança de modo irreversível.

- Segunda parte:

. Abandona-se agora a oposição terra/água (paisagem exterior) e contempla-se uma paisagem mais interior, onde, todavia, permanece a oposição luz/sombra, concretizada em vários elementos de intersecção: igreja/chuva; ouro solene/água a chiar; etc.

. O movimento do automóvel lá fora vem destruir o precário equilíbrio entre a paisagem exterior e o mundo interior pressentido na modificação da chuva em “ouro solene”. Mas, finalmente, passado o automóvel, o dia fica triste, o ruído abafa a voz do padre, as luzes apagam-se e a chuva cessa. Mantém-se a fragmentação.

- Terceira parte:

. A técnica interseccionista faz com que se cruzem aqui os planos do presente e do passado. Nos três primeiros versos o presente real e o passado imaginário começam por se apresentar desligados um do outro. O poeta ao escrever está a pensar no Egipto, e as imagens da Esfinge e das pirâmides surgem diante dele. A visão e a realidade encadeiam-se. A junção das duas conduz ao desfecho quase humorístico a imagem seguinte: no bico da pena do poeta aparece o perfil do rei Cheops. A técnica da intercalação é utilizada a rigor. Feita a advertência (“De repente paro…/Escureceu tudo…”), consuma-se a permuta dos dois planos: o sonho ganha a primazia e o poeta deixa-se dominar pelas imagens que ele próprio criou ao ponto de se sentir esmagado pelas pirâmides. De novo se entrecruzam os dois planos: o bico da pena do poeta transforma-se no riso da Esfinge. O perfil do rei Cheops transforma-se em cadáver, que, como convém ao sonho, fita de olhos abertos o poeta, iniciando com ele uma espécie de diálogo mudo do qual resultam novas imagens: o Nilo, barcos embandeirados, preparativos para “os funerais”. O “ouro velho” do verso final indica-nos que a visão acontece numa esfera ideal; os funerais do rei têm lugar simultaneamente no passado e no presente do Eu sensível.

- Quarta parte:

. O espaço interior (quarto onde o poeta escreve) abre-se para o mundo exterior e o silêncio é imaginariamente invadido pelas pandeiretas das danças na Andaluzia. O distante ruidoso vem interseccionar o silêncio que rodeia o poeta.

. Num segundo momento, com o exterior distante a impor-se a destruir as paredes do espaço interior fechado, parece-nos ter alcançado uma revelação, o equilíbrio.

. Da sobreposição (harmonia inicial, se bem que precária) passa-se, a partir do sexto verso, da pura interioridade para a admissão de dois mundos – o exterior e o interior – que comunicam através de “janelas secretas” com “uma noite de Primavera lá fora”.

- Quinta parte:

. Parecia ter-se alcançado uma totalidade, a Unidade dos opostos, mas “De repente alguém sacode esta hora dupla” e o “pó das duas realidades cai…” e fica-lhe nas mãos, símbolo da sua capacidade criadora que segue uma rapariga que abandona a feira.

- Sexta parte:

. Verificada a impossibilidade, ao longo das cinco partes anteriores, de encontrar a Totalidade no mundo exterior, no interior de si próprio ou na reunião de elementos masculinos e femininos, vai o poeta, agora, procurá-la, na evocação da infância.

. A recordação é desencadeada pela audição de música, tocada por uma orquestra imaginária, sob a batuta de um maestro (poeta). E, então, revê-se o muro do quintal onde, na infância, jogava a bola que, pela sua esfericidade, faz lembrar a origem, a perfeição, a completude. Enquanto a música dura, todo o universo, com as suas peripécias e figuras, desfila perante nós.

. No início da última estrofe, a música cessa, as cores apagam-se, restam o preto e o branco. A bola, agora branca, da infância (perfeição da inocência) passa para o “lado de lá”, pelas costas abaixo do maestro-poeta. Perdida a infância, jamais se poderá recuperar a Totalidade.

3.4. Sonho/realidade

Entre o sono e o sonho

- símbolo do rio: divisão, separação, fluir da vida – percurso da vida; é a imagem permanente da divisão e evidencia a incapacidade de alterar essa situação (o rio corre sem fim – efemeridade da vida); no presente, tal como no passado e no futuro (fatalidade), o eu está condenado à divisão porque condenado ao pensamento (se fosse inconsciente não pensava e por isso não havia possibilidade de haver divisão); tristeza, angústia por não poder fazer nada em relação à divisão que há dentro de si; metáfora da casa como a vida: o seu eu é uma casa com várias divisões – fragmentação.

Não sei se é sonho, se realidade

- exprime um tensão entre o apelo do sonho (caracterizado pela tranquilidade, sossego, serenidade e afastamento) e o peso da realidade; a realidade fica sempre aquém do sonho e mesmo no sonho o mal permanece – frustração; conclui que a felicidade, a cura da dor de viver, de pensar, não se encontra no exterior mas no interior de cada um.

Viajar, perder países! (Poema-síntese)

- “ser outro constantemente” – multiplicidade, diversidade do eu

- procura de emoções – ideia de viagem

- “De viver somente” – incapacidade de permanecer no sentir

- “Não pertencer a mim!” – despersonalização, angústia da separação entre o sonho e a realidade

- “A ausência de ter um fim” – consciência da efemeridade da vida

- No último verso: contraste sonho/realidade – a realidade é ultrapassada através da criação

- Quadras; redondilha maior; rima cruzada; musicalidade (aliterações; repetições; anáfora); transporte

3.5. Nostalgia de um bem perdido

A nostalgia de um estado inocente em que o eu ainda não se tinha desdobrado em eu reflexivo está representada no símbolo da infância. A infância é a inconsciência, o sonho, a felicidade longínqua, uma idade perdida e remota que possivelmente nunca existiu a não ser como reminiscência. À nostalgia alia-se um desejo sem esperança: “O que me dói não é/O que há no coração/Mas essas coisas lindas/Que nunca existirão…”. De tudo isto resulta o timbre melancólico e o sabor irremediável desta poesia: “Outros terão/Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo,/A inteira, negra e fria solidão/Está comigo.”.

O menino de sua mãe

- Esta composição poética é constituída por seis quintilhas de versos de seis sílabas métricas (hexassílabos).

- Inicialmente, o sujeito lírico enuncia que naquele terreno se encontra o corpo do “menino de sua mãe” que vai arrefecendo apesar da “morna brisa” que atravessa o espaço. Com esta primeira estrofe, pretende reforçar-se o sentimento que o narrador sente ao observar o absurdo dos momentos da guerra, sendo que esta é a própria temática do poema. No primeiro verso, encontra-se a primeira hipálage da composição – “no plaino abandonado” – para transportar o conceito de abandono do menino para o “plaino”. Nas duas primeiras estrofes, que constituem a primeira parte do poema, predominam as frases do tipo declarativo para demonstrar que a temática é suficientemente profunda pois retrata o desabar dos sonhos.

- A segunda parte do poema inicia-se com duas frases do tipo exclamativo utilizadas pelo sujeito poético para reforçar a efemeridade da vida do menino. É também utilizada uma expressão de cariz terno e carinhoso para expressar o que a mãe chamava ao seu menino e para representar todos os jovens que morreram precocemente na mesma guerra. A repetição do nome “jovem” relaciona-se com a expressividade das frases exclamativas pois estas também pretendem demonstrar a emoção da juventude do menino quando este morreu. A quarta quintilha apresenta um dos objectos que efectua a ligação entre os dois espaços e personagens presentes na composição – a “cigarreira” -. Ao surgimento deste substantivo vem agregada uma hipálage no verso “A cigarreira breve” que representa a brevidade da vida do menino pois este não teve tempo de utilizar a “cigarreira” oferecida pela sua mãe. A segunda parte do poema termina com a quinta quintilha onde surgem uma outra hipálage – “a brancura embainhada” – que se relaciona com a anterior devido à reduzida duração da vida do menino e o outro objecto que faz a ligação “menino – casa” – o lenço.

- Com a passagem para a terceira e última parte do poema encontramos um discurso parentético no verso “(Malhas que o Império tece!)” onde se pretende fazer uma acusação revoltosa ao império em questão. É também aqui que surge, finalmente, a mãe que simboliza a esperança, a saudade, o carinho e o amor, e que se encontra em casa – um ambiente oposto ao que se sentia no “plaino” -. Por fim, no penúltimo verso da composição encontramos a gradação positiva – “Jaz morto e apodrece” – que se iniciou no último verso da primeira estrofe – “Jaz morto e arrefece” – e que pretende traduzir a ideia de que a decomposição do corpo do menino é o único lucro do absurdo da guerra. O último verso remonta também ao ambiente familiar da casa. A expressão “O menino de sua mãe” já presente na terceira estrofe não é mais do que a forma como a mãe chamava o menino. O facto de o poema terminar com reticências pode simbolizar o facto de apesar de o menino já ter falecido, ainda está presente alguma esperança e por terminar com a expressão referida acima, vem acentuar a revolta e o sentimentalismo contido em todo o poema.

Pobre velha música!

- Esta composição poética é constituída por três quadras de versos de seis sílabas métricas (hexassílabos).

- Na primeira estrofe, o sujeito poético realça a temática da infância que não é mais do que um paraíso perdido. Isto faz com que ele apresente sentimentos de angústia e nostalgia (quando ouve a música, lembra-se do passado em que também a ouvia, e chora com saudades desse tempo). No primeiro verso desta estrofe, encontramos uma dupla-adjectivação anteposta (“Pobre velha música!” – a infância já está longe e o hábito de ouvir música também)

- A segunda estrofe é iniciada com a recordação de tempos passados, onde ouvia a música com outros sentimentos. Existe uma dúvida constante pois como a sua infância não foi alegre, o sujeito lírico acha que não a viveu.

- Na terceira estrofe, o poeta revela o desejo de regressar ao passado talvez devido ao facto de não ter tido infância e pretender ver como ela é. São utilizadas exclamações e interrogações emotivas, às quais se seguem um oximoro que traduz novamente a dúvida acerca do passado. O último verso “Fui-o outrora agora.” simboliza a fusão entre o passado e o presente.

Anuncia aqui

0 comentários:

Enviar um comentário

Copyright © 2015 menosais

| Designed By Templatezy